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O Peru abriga uma das ondas mais famosas entre os surfistas. La ola izquierda perfecta mas larga del mundo, é o seu slogan – a onda esquerda perfeita mais extensa do mundo. Estou falando de Chicama.
Localizada em Puerto Malabrigo, no norte do Peru, a famosa onda pode chegar a até 4 quilômetros de extensão e atrai praticantes do surf de todas as nacionalidades. Dizem que esse “pico” (gíria da galera do surf) é adequado para todos os níveis no esporte, desde os iniciantes até os mais avançados.
Era um dos lugares que eu mais queria conhecer em terras peruanas. Já tinha lido sobre na internet ou ouvido falar em algum programa de TV, não me recordo. Só sei que esse nome estava na ponta da língua desde que começamos a planejar a viagem de motorhome.
Depois de 20 dias no Peru, entre o Lago Titicaca e a capital Lima, finalmente chegamos em Chicama. Estacionamos nossa casa pertinho da praia. Aquele cheiro de mar trazido pela brisa leve, surfistas indo e vindo da água, o sol se pondo no Pacífico. Se você digitar vanlife no google, esta bem que poderia ser uma das cenas mostradas pelo buscador — o estereótipo purinho.
Depois de passar um dia observando as ondas e os surfistas, entendemos um pouco melhor como funcionava a dinâmica ali. Mas, algo chamou nossa atenção, minha e do meu marido. Muitos barcos na água, tipo bote inflável, que levavam os surfistas para o melhor lugar dentro daquela imensidão azul. Como a onda é muito extensa, essa deve ser a melhor forma de voltar para o mar, foi o que imaginamos.
Foram meses viajando com as pranchas dentro do motorhome, em um espaço específico que construímos para elas. Em todo esse tempo de estrada, tiramos as benditas do seu compartimento apenas duas vezes, uma em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e outra em Maresias, no litoral norte de São Paulo. Depois disso, ficamos 9 meses sem surfar.
Chicama marcaria nosso retorno para as águas salgadas. Confesso que tenho certa resistência em me afirmar surfista. Até nisso, a síndrome da impostora. Quando me aceito, logo emendo que sou surfista de marola, essa gracinha de palavra que significa onda pequena. No mar, eu gosto de me divertir. Não me importo com ondas grandes, minha alegria é estar lá, me encher de água salgada e, nos dias mais abençoados, ver uns golfinhos nadando ao olhar para o horizonte.
Prancha debaixo do braço, protetor solar no rosto e mãos dadas. Seguimos andando cerca um quilômetro a pé até chegar ao ponto de entrada – a parte mais à esquerda da praia. Afinal, a onda esquerda nos levaria para o outro lado, o direito. Então, a ideia era chegar pela areia o mais perto possível do “início”.
No caminho, avistamos um leão marinho saindo do mar. Parecia um cachorrinho brincalhão. Apesar de parecer inofensivo, a mordida desse animal pode ser super perigosa. E ele estava lá, nadando no mar que estávamos prestes a entrar.
Alguns minutos se passaram até que criamos coragem, ao ver um senhor entrar com seu bodyboard e pé de pato. Ele parecia tão certo do que estava fazendo que seguimos os passos dele. Apesar da fama de água congelante, o mar estava bem agradável. Remamos, remamos e remamos, levamos muita onda na cabeça também. Até aí, tudo normal, o surf é assim mesmo.
Até que chegamos na parte mais calma do mar – na linguagem dos surfistas, quebramos a arrebentação. Olhando para o horizonte, tudo igual. Mas, ao olhar para a areia, já estávamos sendo levados para o lado direito. O ponto de referência da nossa entrada ficava cada vez mais distante. Uma correnteza insana. Diferente de tudo que já vi nessa vida. Remar para o lado oposto a ela era o mesmo que nada, uma verdadeira burrice que só servia para esgotar as energias.
Tentei pegar uma ondinha aqui, outra ali. Até que, enfim, concluí que o conceito de mar para iniciante da internet deve ser bastante diferente do meu. Iniciante há 5 anos, me considero iniciante até hoje.
Não sei se foram os 9 meses sem surfar, não sei se foi o leão marinho saindo do mar ou a correnteza absurda, mas o desespero começou a bater. Eu tinha duas escolhas: remar contra ou me deixar levar. Se você chegou até aqui e pensou que eu fui inteligente o suficiente para me deixar levar, te agradeço muito pelo voto de confiança. Mas, a verdade é que tomei a decisão mais estúpida: remar contra, na tentativa de voltar para o lugar onde entrei com o plano de finalmente sair.
Avisei o Pedro que não ia mais tentar surfar para então começar a saga de tentar sair. Remei, remei, remei. Umas ondinhas me levaram. Remei, remei e remei de novo. Haja braço. Quanto mais para um lado eu tentava ir, mais para o outro o mar carregava. E nem sinal do meu marido. Só tinha uma pessoa perto de mim — o moço do bodyboard que parecia tão seguro estava lá passando perrengue comigo.
Minutos de tensão depois — que pareceram horas — eu vejo o Pedro, meu querido marido, não tão querido nesse momento. Para manter a calma, mais uma decisão sábia: resolvi brigar com ele enquanto era arrastada pelo mar, em uma mistura de choro engasgado, falei que ele tinha me abandonado ali à deriva. É, eu estava tendo um leve surto, risos.
Acho que meus gritos com meu marido chamaram atenção das pessoas na praia. Sim, gente, foi uma vergonha só. Do alto da falésia, um grupo de pessoas começa a acenar loucamente para mim — a mensagem era: deixa o mar te levar se não você vai colidir com as pedras. Olho para frente e vejo umas manchas pretas na água. Ah, que legal, pedras para compor esse cenário.
Por mais difícil que tenha sido, consegui confiar e me soltar, finalmente parar de remar. E só assim cheguei em terra firme, a um quilômetro de distância do local onde entrei no mar. A correnteza me levou por mil metros em minutos! Agora o bote faz muito mais sentido.
Cheguei na areia aos prantos, assustada e tremendo. Quando enfim respirei sossegada, só conseguia pensar em como eu sentia falta das minhas ondinhas tranquilas perto de casa, tão tranquilas que o nome do “pico” é Amigão. O mar de Chicama de amigo não tem nada, pelo menos não comigo.
Desde muito pequena, me sinto em casa na praia. Gosto da água salgada, de ficar horas com a pele e o cabelo cheios de sal. Para mim, o mar é sinônimo de bem-estar, então ele não me causa medo. Mas, esse foi um dia que me despertou um respeito ainda maior pela sua força. Fiquei orgulhosa de mim por ter me aventurado e mais ainda por ter entendido meu limite.
Hoje, nesse estranho inverno capixaba, estou a 4 quilômetros da minha praia de marolas. Se eu estivesse em Chicama, poderia pegar uma onda em frente de casa que ela me levaria até o Amigão. Mas, estou a mais de 4 mil quilômetros do Peru. Ainda assim, o tempo nublado daqui me levou até Lima, que me levou até o Peru que me trouxe a memória desse dia inesquecível em Puerto Malabrigo.
Que o mar siga sendo meu amigo, mesmo em seus dias de agitação.
🎈🥳 Feliz demais de ter chegado à edição de número 20. Obrigada por continuarem me lendo :) Para mais textos meus, clique aqui.
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Tu acredita que DOIS DIAS antes da publicação desse texto nós estávamos em uma praia de Lima, vendo um campeonato de surf, e falamos da tentativa de vocês de surfar no Peru? haha
Coitado do seu marido. Teve que ouvir os gritos, choro e pequeno surto kkkkk. Foi uma experiência de surfe muito boa, mas é certeza que na próxima vamos alugar o bote de apoio!! Amor, feliz por vc ter entrado naquele mar. Muito orgulho de vc.. te amo minha surfista linda