Souvenir #16 - Quando o assunto é dinheiro...
Silêncio absoluto; Falar sobre dinheiro ainda é tabu.
Tempo de leitura: 6 minutos
Esse texto foi escrito na estrada, em alguma BR entre Goiás e Minas Gerais.
Existe um estereótipo muito comum de que quem tira um ano sabático é rico. Eu mesma também pensava assim. Imaginava aqueles mochileiros de The North Face dos pés à cabeça, cara queimada de sol e muito dinheiro no banco. Destrinchar essa crença foi essencial para que eu pudesse tomar esse caminho sem peso na consciência ou dívidas.
Apesar de não descartar a ideia de trabalhar durante a nossa viagem de sabático, a verdade é que eu e meu marido não nos preparamos para isso. É uma ilusão pensar que para se tornar nômade digital você só precisa se tornar nômade, que o digital vai vir de brinde. A vida não é um Kinder Ovo. Não é tão simples assim.
No nosso caso, nossas carreiras funcionavam 100% no presencial. Mudar isso requer um baita esforço. Enquanto trabalhávamos, não tínhamos sequer energia para repensar essa questão. Depois, a construção do motorhome veio e nos consumiu. Enfim, aceitamos que a prioridade do momento era tirar o sonho do papel. O foco era fazer a roda girar e a casa andar.
Tivemos uma realidade privilegiada em que podíamos assumir e aceitar que o dinheiro só ia sair. Nada mais justo com nossos planos do que aproveitar isso e enxergar esse esforço financeiro não só como a concretização de um sonho, mas também como um investimento em experiências de vida, que inclusive poderiam expandir nossas mentes em termos de trabalho.
Essa foi a nossa escolha e ela tem um preço. Não quer dizer que funciona para todas as pessoas.
Ao viajar, percebemos na prática que existem outras possibilidades. Tem gente que viaja vendendo artesanato, que trabalha com redes sociais. Tem gente que trabalha remoto e também tem gente que alterna entre viagem e trabalho. E tem gente, como nós, que não trabalha.
No início, eu tinha até vergonha de dizer isso. Eu não queria cair no estereótipo. Então, quando eu falava, já emendava a explicação do planejamento financeiro, dos anos trabalhando e juntando dinheiro, e tudo que eu me lembrava para dizer que, diferente da Carolina Ferraz, eu não sou rica.
Nas últimas semanas, tenho estudado e aprendido cada vez mais sobre um tema que gosto muito, finanças pessoais. Durante a viagem, fiz uma amiga que trabalha com educação financeira para mulheres, e hoje escrevo roteiros para o podcast dela, Dinheiro é coisa de mulher, sim!.
Dentre as tantas pesquisas que já fiz para esse conteúdo, percebo o quanto ainda estamos longe de ter uma relação saudável com o dinheiro. Falar sobre dinheiro ainda é tabu. Entre números que mostram, por exemplo, que 58% das mulheres casadas delegam aos seus cônjuges a responsabilidade com os investimentos de longo prazo e com as decisões de planejamento financeiro, ou que apenas 21% dos brasileiros tiveram educação financeira na infância, vejo que muita gente culpa o dinheiro por não conseguir realizar seus sonhos.
Sei que o Brasil é um país extremamente desigual, e realmente a falta de oportunidades priva muita gente de concretizar seus planos. Mas, falo isso dentro da minha bolha de privilégios. E para essas pessoas que estão aqui na bolha junto comigo, eu fico pensando, será que o dinheiro é sempre o problema?
É óbvio que a questão é dinheiro. Mas não somente ele. Vai muito além. É sobre desapegar do status, sobre sentar a bunda para estudar e planejar, sobre entender que o dinheiro tem que servir aos seus desejos e sonhos e não o contrário. O dinheiro sozinho não faz milagre. E você não aprende sobre finanças por osmose.
Eu sempre tive a mentalidade de “juntar dinheiro” porque no fundo eu sabia que queria realizar alguma coisa que ainda não conseguia nomear. Em 2017, em uma conversa com a minha mãe durante uma viagem em família, eu disse: “eu trabalho para juntar dinheiro para um dia poder largar esse trabalho”. Ela deu uma leve surtada, claro.
Essa frase levou 4 anos para se tornar realidade. Eu lembro nitidamente desse momento, onde eu estava e o que eu estava fazendo. Acho que foi a primeira vez que eu verbalizei que eu tinha o plano de não ter planos, como diz a Letícia Mello. Sei que pode soar hippie demais. Mas, quem me conhece sabe que não é.
Eu analiso minhas escolhas financeiras desde o meu primeiro emprego, com 20 anos. A partir do momento que passei a ganhar o meu dinheiro, eu notei a necessidade de entender melhor as minhas contas. Não demorou muito para que eu procurasse uma forma de fazer meu dinheiro render mais que a poupança.
No início, eu busquei aqueles investimentos indicados pelos bancos tradicionais, ou seja, uma bela porcaria. Mas, independente da rentabilidade, o que tinha mudado ali era a minha mentalidade.
Entre 2018 e 2019, comecei a estudar sobre dinheiro e investimentos. Nunca fiz curso. Era na base do YouTube mesmo. Aprender o be-a-bá. Enquanto lavava a louça, ouvia Nathalia Arcuri, na época que ela gravava vídeos com a colher de pau furada.
Eu detesto YouTube. Não tenho paciência para maioria dos vídeos de lá porque sinto que as pessoas ficam enrolando para entregar a informação — um jeito de garantir que você fique ali até o fim, ou pelo menos o suficiente para garantir um engajamento. Mas, lá estava eu, com a bunda na cadeira — nesse caso, em pé com a bucha na mão — estudando sobre dinheiro.
E, assim, fui aprendendo o básico sobre investir, sobre economizar e sobre planejar. Tomei gosto pelo assunto. Comprei um caderno com uma capa de praia para minhas finanças, organizei o que eu ganhava, o que eu gastava e o que eu guardava. E quando eu pegava aquele caderno estampado de mar e coqueiro, lembrava logo o meu porquê: eu queria viajar mais. Comecei a entender ali que minhas escolhas naquele momento influenciavam muito minhas possibilidades de realização no futuro.
Hoje, tudo que eu tenho está dentro do motorhome e em uma mala que deixei na casa da minha irmã, que basicamente tem porta-retratos e livros que eu não quis me desfazer (ainda). Acho que tem uma almofada também.
Além de ter poucas coisas (e ser feliz com isso), desenvolvi um outro hábito que tem me ajudado muito a refletir sobre custos de vida e economias: hoje eu anoto TUDO o que gastamos em um aplicativo de controle financeiro.
E mais importante do que apenas registrar, semanalmente eu analiso as anotações para entender o nosso comportamento financeiro. Observar onde estão nossos principais gastos e onde ainda há espaço para economizar, quando necessário. Viajar mais devagar, buscar lazer gratuito, comer em casa, são exemplos do que podemos fazer para reduzir nossos custos.
Calma, não estou falando que você TEM que fazer isso (não sou essa pessoa, lembra?). Tem gente que tem pavor só de pensar. A mensagem aqui é sobre criar bons hábitos e usar as ferramentas a seu favor.
Essa viagem reacendeu o meu gosto pelas finanças e a cereja do bolo foi ter ficado amiga da Mariana, a dona do Podcast que falei. O instagram dela tem muito conteúdo sobre educação financeira, com pano de fundo nas viagens que ela faz em sua jornada como nômade digital.
Minha intenção com esse texto não é dar dica de finanças (talvez só a dica do instagram da Mari, risos). Eu quis apenas compartilhar a minha visão sobre o papel do dinheiro nas nossas realizações. Planejamento é importante, sim. Seja para viajar como nômade digital, seja para tirar um sabático.
Muita gente quer viver o sonho, mas nem todas as pessoas estão dispostas a sentar a bunda e fazer. Nem todas estão dispostas ao sacrifício. Muitas vezes, ele é financeiro.
🗣️ Falando nisso…
Também escrevi sobre o sabático aqui:
E aqui:
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A educação financeira é fundamental para nômades e não nômades. Uma pena o tema ser sempre tabu. Eu aprendi muito em casa, com meus pais fazendo muitas decisões financeiras erradas, e também consegui nos últimos anos de trabalha economizar uma grana que me permitisse viver o que estou vivendo hoje. Consegui um trabalho remoto no meio do nomadismo, e agora tenho ficado num jogo de soma zero. A vida nômade é cara. E está tudo bem ficar assim por um tempo, está sendo a maior experiência da minha vida. Mas muita gente pensa que ser nômade é ser herdeiro.
Caderninho anotadinho...sua cara!
Eu hoje tento não sofrer tanto por não ter aprendido antes a cuidar melhor do meu dinheiro... mas como vc mesma diz antes tarde do que mais tarde! (Acho que vc já disse isso hahaha)